“Conflito vai acabar quando a Palestina for dizimada”, desabafa muçulmana nascida em Goiânia
Cética, a goianiense Fátima Issah demorou para conhecer a palavra de Allah. Até 12 anos atrás, era mais uma brasileira que a partir de terras goianas explorava o mundo. Por muito tempo, trabalhou como recreadora num hotel de sua familia em Caldas Novas. Por outro, foi aos Estados Unidos trabalhar no Bank of América. Um estresse pós traumático, no entanto, a fez buscar uma conexão com a espiritualidade. Hoje, sente-se como se fosse uma palestina.
Diferentemente da maioria dos ocidentais, não buscou ajuda na Bíblia e foi ao Alcorão encontrar a cura para o que lhe afligia. “O Alcorão é o único livro que nunca foi mudado e eu sou meio cética. Não confio muito no que me dizem, eu preciso da fonte. Eu tinha a informação que o alcorão jamais foi mudado, nenhum acento, nenhuma virgula”, conta.
“Eu comecei a lê-lo achando que era o livro da verdade e fui vendo que não havia nenhuma contradição. Essa verdade me fez converter ao islã”, destacou. O primeiro contato que teve com os escritos sagrados foi pela internet, na marcante voz de Cid Moreira.
“Encontrei as leituras do alcorão em árabe e a tradução para o português narradas por Cid Moreira. Fiz isso por um ano, diariamente e me encantei pela forma como o alcorão é revelado. A leveza, a sonoridade, a beleza, a pureza e a verdade da linguagem. Decidi então ser muçulmana após esse encontro”, salienta.
Certa do que havia encontrado, Fatimah chegou ouvir da sua filha – que hoje tem 30 anos – que estava entrando em uma furada. “A princípio ela estranhou… ‘Deve ser mais uma maluquice da minha mãe’”, comenta brincando. Mas o tempo tratou de mudar a forma como a unigênita se relacionava com a nova religião. “Hoje ela vê super bem. Me apoia em tudo. Ela vem, frequenta mas não se converteu. Ela respeita. Ela tem a forma dela de falar com Deus, eu tenho a minha. A gente vive em paz. Temos um relação de comunhão com Deus, cada um à sua maneira”, destaca.
Convertida ao islamismo, encontrou num novo amor. Casou-se com Kamal Hamideh, que teve sua história contada no primeiro texto desta série. Ela o ajuda a cuidar das mesquitas em Goiânia e Nerópolis. Também leciona árabe para os fiéis interessados e que estão se aproximando da religião. “Eu me sinto palestina de alma. Me chamo Fatimah há 10 anos. Casando com Kamal migrei do Ocidente para o Oriente”.
“Você não dá ouvidos para loucos”
O mundo para os árabes e mulçumanos que viviam no ocidente mudou a partir de 2001. Com o atentado às Torres Gêmeas, coordenado pela organização fundamentalista Al-Qaeda, o debate logo ganhou contornos rasos e recheados de preconceito contra a religião islâmica. Não foi diferente no Brasil.
Com quase 2 bilhões de fiéis no mundo todo, não é razoável dizer que a religião forma terroristas. Fatimah, destaca que para evitar qualquer tipo de preconceito, está sempre em oração e debaixo de proteção divina. “Comigo eu tive muita luz em meu caminho. Não sofro perseguição. Nunca aconteceu nada disso. Porque nunca ocorreu? Sempre faço dawa, quando eu saio de casa eu peço orientação para o meu caminho. Peço para que ele guie meus passos. Que ele tire as pessoas ruins do meu caminho. Isso dá resultado. Faço dawa e levo o islã a todas as fronteiras.”
Fatimah reconhece que seu caso não pode ser considerado uma regra para todas as mulheres e homens convertidos ao islã que vivem no Brasil. “Ensino as meninas: na rua vão aparecer malucos que aparecem gritando, xingando e fazendo piadinha. Eu falo que são malucos, você não deve levar em consideração os malucos. Com as meninas acontece muito. Comigo, não”, relata.
“Mas com as meninas acontece frequentemente, no ônibus, sempre tem alguém chamando elas de terroristas, falando para voltar para o país delas. Perguntando o que elas tão fazendo aqui. Mas elas são brasileiras! Os loucos são eles!”, destaca. “Temos muitos adolescentes que frequentam a Mesquita. De 14, 15, 17… São muitas as meninas de várias idades…”, pontua.
“Deus está sendo pisoteado” no conflito entre Israel e Palestina
Num conflito que já deixou mais de 10 mil mortos em menos de um mês e que não começou ontem e nem terminará amanhã, Fatimah não há vencedores, mas um lastro de devastação e vidas perdidas. Sem previsão para um fim, Fatimah sente-se devastada sem uma previsão que possa dar paz ao seu povo. Para ela, Deus está “sendo pisoteado”.
“Eu estou devastada. A primeira coisa que eu acredito que existe no mundo é que quem o criou foi Deus. Eu nunca esqueço disso. Quem é o criador de todas as coisas? Em Deus e ele está sendo colocado em último lugar na terra. Ele está sendo pisoteado. Em seus mandamentos Deus pediu que a gente se amasse e nos respeitássemos”, desabafa.
“Uma morte de uma criança é inaceitável, imagina 7, 8, 10 mil crianças assassinadas… Vai crescer esse número… Isso mexe comigo, me deixa angustiada. São crianças e famílias vulneráveis. O mundo está de braços cruzados. Não é só a Palestina que está cerceada, nós estamos vivendo cerceados”, pontua ao lembrar dos preconceitos velados. “Estamos sendo cerceados por apoiar a causa palestina”, sacramenta.
O conflito está distante do fim? “Eu acredito que o conflito vai acabar. E eu já sei que esse conflito vai acabar porque Israel tem tudo a perder. Se ele perde essa Guerra ele não tem pátria e ele vai colocar o povo dele em cima de onde? Eles vão acabar com a Palestina”. Fatimah diz que a previsão apocalíptica é apenas uma realidade. É questão de tempo…
“Eles vão continuar até varrer a Palestina do mapa. Eu queria ser otimista, mas eles vão varrer a Palestina do mapa. Nunca estive lá, mas estou lá de outras formas. Na convivência com o Kamal, nos relatos que ouvimos diariamente com as mulheres, da perda dos filhos, do abuso da policia de Israel que pega crianças e as leva presas. Eu não tenho palavras para descrever a crueldade com o povo palestino”, completa.